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Nos tempos da militarização do futebol, por Demétrius Faustino

A militarização da seleção brasileira de futebol durante a ditadura militar e a sua integração aos princípios da Lei de Segurança Nacional, foi um processo com variados agentes, civis e militares, sendo certo que merece realce em razão de sua contribuição e presença nas diferentes fases deste projeto, o Capitão Cláudio Pêcego Coutinho. Filho do General Achilles Lima de Moraes Coutinho, Claudio Coutinho formou-se na Academia Militar dos Agulhas Negras em 1959. Em entrevista para a revista Placar, em maio de 1979, Coutinho relembraria que em 1964, ficou do lado da Revolução, em razão de uma cisão na Escola de Paraquedismo do Rio. “Estavam planejando um atentado contra Carlos Lacerda, mas acabou falhando graças a nossa interferência”.

Somente para relembrar, foi Cláudio Coutinho que inseriu e difundiu o método “Cooper” no Brasil, e também foi ele quem apresentou João Saldanha à Lamartine Pereira da Costa, este responsável pela organização do projeto de preparação física e adequação dos jogadores ao clima mexicano.

Aliás, dentro desse aspecto da militarização da seleção, é certo também, que uma audiência realizada em 3 de dezembro de 1968, quando o então presidente Costa e Silva exige da CBD a conquista do tricampeonato mundial, é efetivamente o marco simbólico do início dessa feição.

Basta afirmar que em 1974, a comissão técnica vitoriosa na Copa anterior permaneceu, mas com o acrescento de mais militares, e com a promoção de Coutinho à supervisor técnico.

Essa militarização estava tão acentuada, que com a permanência do esquema de segurança rígido, afastava jogadores da imprensa e dos torcedores; adotou-se um toque de alvorada como nos quartéis, e praticava-se a censura, exigindo-se que os jogadores anunciassem que não falariam mais com a imprensa. Essa regra de rigidez era tão intensa que até o atacante Reinaldo, conhecido por suas posições políticas na imprensa, recebia vigilância especial, e o atacante Dirceu foi jogado dentro de uma Kombi e remetido para o Rio de Janeiro, indo exatamente para a sede da CBD e receber um sermão por ter criticado Coutinho e Rivelino em público. É o que registra a revista PLACAR, n. 420, p. 11.

Como técnico, Cláudio Coutinho nem sequer havia completado um ano à frente do Flamengo, quando foi escolhido como substituto de Osvaldo Brandão para a Copa de 1978. O que lhe faltava em experiência, sobrava em confiança da CBD, e na época sob o comando militar do Almirante Heleno Nunes, dirigente da ARENA fluminense. Ele estudou as equipes e os modelos táticos da Europa, procurando introduzir conceitos como “overlaping”, que eram inclusive motivo de zombaria da imprensa e torcedores brasileiros.

Essa comissão técnica de 1978 era a menos militarizada em sua formação, se compararmos com as duas copas anteriores, incorporando apenas os “veteranos” major Carlos Alberto Cavalheiro como supervisor, o Tenente Raul Carlesso como treinador de goleiros e o capitão Kleber Camerino. Porém, os princípios da doutrina de Segurança Nacional seguiam majestosamente aplicados aos jogadores.

Apesar de uma classificação despreocupada nas eliminatórias, as atenções com a Seleção brasileira se voltaram rapidamente na Copa disputada na Argentina, onde o Brasil estreou com um empate em 1 x 1 com a Suécia, e ato contínuo por outro sem gols com a Espanha. Esses fracos resultados foram o bastante para que a Seleção sofresse, literalmente, uma intervenção do presidente da CBD, ainda no vestiário da segunda partida, exigindo as escalações de Roberto Dinamite e de Jorge Mendonça nas posições de Reinaldo e Zico. A intervenção do almirante Heleno surtiu efeito e o Brasil logrou sua primeira vitória na competição, 1 a 0 contra a Áustria, justamente com o gol de Roberto Dinamite, requisitado pelo presidente da CBD.

Na fase posterior, com a vitória por 3 a 0 sobre o Peru, a euforia ganha o vestiário da Seleção, com inúmeras declarações de confiança de que a equipe chegaria à final, mas na última rodada, apesar da vitória brasileira por 3 a 1 sobre a Polônia, a Argentina “superou” a diferença de gols com uma improvável goleada de 6 a 0 sobre os peruanos, classificando-se para a final. A conquista do terceiro lugar foi considerado um destroço e Cláudio Coutinho se tornou o grande vilão.

Coutinho ainda voltaria a comandar a seleção durante a Copa América em 1979. Entretanto, o fracasso da militarizada seleção selaria tanto o seu destino, quanto do presidente da CBD e da própria militarização do futebol, surgindo então a criação da CBF e o retorno do comando do futebol ao civil, acelerando o fim da militarização do esporte.

João Pessoa, fevereiro de 2022.

Thaysa Videres
Thaysa Videres
Jornalista - Assessora de Comunicação - Repórter do PautaPB / [email protected]

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