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DO PAPA AO SERTANEJO UNIVERSITÁRIO – A FORÇA DOS RACIONAIS MC`s; escreve Marcos Thomaz

Dia desses vi em um grupo nas redes sociais a Marília Mendonça cantando em um videokê caseiro uma música dos Racionais MC`s. Empunhando o microfone ela repetia com desenvoltura os versos rasgantes de Mano Brown em “Vida Loka”, música do disco “Nada como um dia após o Outro”.

Aquela cena inusitada, do maior nome do sertanejo universitário destilando as rimas dos Racionais me transportou para 1997, ano em que o grupo lançou o álbum “Sobrevivendo no Inferno” que virou pelo avesso a MPB, representando o maior impacto da história da indústria fonográfica brasileira. Como Brow avisa logo nos versos iniciais de Capítulo 4, Versículo 3: “eu vim pra sabotar o seu raciocínio, vim pra abalar o seu sistema nervoso e sanguíneo…” Acha exagero?? Senta aí, que explico!

O quarteto paulistano formado por Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e o DJ KL Jay, vendeu mais de 1 milhão de cópias desse seu segundo álbum oficial lançado por uma gravadora independente, a Cosa Nostra. Estamos falando de um grupo de rap, cantando e rimando sobre criminalidade, drogas, presídios e todas as mazelas sociais das periferias brasileiras, embalando isso com pitadas de fé e otimismo, influenciando milhões de brasileiros na Grande SP e “ao redor do campo, por todos os cantos…”

Independente de gostar, se você não viu, ou ouviu, desculpa, mas foi porque não saiu da sua bolha… um fenômeno assim, sem divulgação de “grande selo, sem qualquer relação com a grande mídia, o sistema musical convencional etc, sem ir ao Faustão, Gugu e afins é algo único, jamais registrado no Brasil! Em contraponto, apenas para situar os descrentes, lembro que no mesmo ano, o É o Tchan, rebolando, fazendo concurso da loira e Ralando o Tchan domingo sim, domingo também, em tudo quanto é buraco televisivo,  vendia 2 milhões.

Os únicos canais abertos ao Rap pesado, soturno, cru dos Racionais eram rádios segmentadas e a MTV. Aliás, foi exatamente na MTV que vi e fui chacoalhado pelos versos afiados, discurso cortante e batida tensa da música “Diário de um Detento”. Um relato minucioso com 8 minutos de duração sobre a rotina de um presidiário do Carandiru. E ele é real, a letra é baseada na poesia de Jocenir, detento do pavilhão 8 da maior unidade prisional do país.

O videoclipe, por sinal, arrebatou todos os principais prêmios do badalado Video Music Brasil, da própria MTV, incluindo o de escolha popular e clipe do ano!

Quais fenômenos para fazer estes atributos tão opostos ao modelo de sucesso comercial de um artista dar certo?? Difícil precisar. O disco e a história dos Racionais já foram e continuam a ser objetos de estudo de sociólogos, teses de mestrado e doutorado, livros, questão de redação em vestibular etc.

Talvez o grande mérito do Mano Brown, além do olhar crítico, fidedigno a realidade, esteja no fato de não estabelecer juízo de valor sobre o que discorre em seus versos, nem apologia a vida do crime, como até muitos tentam acusar.

E as referências a grandiosidade deste trabalho dos Racionais se estendem também a crítica. Em 2007, a conceituada revista Rolling Stone elegeu o “Sobrevivendo no Inferno” o 14 melhor disco de todos os tempos da música brasileira, a frente de gigantes consagrados do cancioneiro brasileiro!

Fato é que este combo anticomercial do Racionais explodiu dentro dos seus guetos, próximo aos “50 mil manos” e além, muito além. Racionais virou som obrigatório nas festas noturnas da classe média/alta paulistana, que tanto criticavam em seu estilo de vida fútil!  Quase 1,5 milhão de cópias vendidas não decantando sobre flores, amores e frivolidades do dia a dia, mas vociferando, expondo as entranhas da dureza da vidas nas favelas, denunciando o racismo institucional contra pobres etc.

Em 2015 o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad deu o disco “Sobrevivendo no Inferno” de presente ao Papa Francisco, apenas dizendo que o Pontífice, sensível como é, iria se tornar uma pessoa melhor…

Fábio Augusto
Fábio Augustohttps://pautapb.com.br
Formado pela Universidade Federal da Paraíba em Comunicação Social, atua desde 2007 no jornalismo político. Passou pelas TVs Arapuan, Correio e Miramar, Rede Paraíba de Comunicação (101 FM), pelas Rádios 101 FM, Miramar FM, Sucesso FM, Campina FM e Arapuan FM.

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