Batizado pelo pai com o nome de Noel porque nasceu às vésperas do Natal,
e com sobrenome de flor, ele foi um dos gênios do samba carioca, com letras
providenciais, usando da linguagem coloquial das ruas em rimas bem elaboradas, e
que continuam atuais desde as suas criações.
Na verdade, Noel Rosa é apontado pelos historiadores como uma das
principais figuras na união do samba do morro com o “asfalto”, e num período em
que o samba começa a seduzir a classe média.
Composto em parceria com Vadico, para homenagear seu bairro, e lançado
em disco em dezembro de 1934 pelo cantor João Petra de Barros, Feitiço da Vila é
uma das canções exemplares da força e da beleza alcançadas por sua arte. Era uma
época, em que Noel e Wilson Batista, um compositor de samba carioca,
frequentador dos cabarés da Lapa e do Bar Esquina do Pecado, na Praça
Tiradentes, estavam envolvidos em uma polêmica. Em oposição ao Feitiço da Vila,
Wilson compôs Conversa fiada e teve como resposta de Noel o antológico Palpite
infeliz. Tal situação parece ter contribuído para a composição de Feitiço da Vila, e,
por consequência, para o uso de certas expressões específicas, às vezes, com
intenção de contribuir para a musicalidade e para a rima, e não apenas de dar
conta da rivalidade com Wilson Batista.
Com essa declaração de amor ao samba e ao bairro de Vila Isabel, típico
bairro de classe média da zona norte carioca fundado pelo barão de Drummond –
também inventor do jogo do bicho, onde nasceu e viveu, Noel de
Medeiros Rosa, cuja educação musical teve início na adolescência, quando
aprendeu a tocar bandolim e violão com ajuda de familiares, dava continuação à
sua afamada polêmica com o compositor Wilson Batista, que rendeu grandes
canções e sátiras musicais de um para o outro.
Em 1933, o então iniciante Wilson Batista tinha apresentado sua munição
com Lenço no pescoço, samba que fazia apologia à malandragem. Noel não se sentiu
satisfeito, e deu início à briga com Rapaz folgado. E, quase dois anos depois, ratificou sua posição, acenando com um samba de feitiço decente, sem farofa, sem
vela e sem vintém.
O “Poeta da Vila” que viveu em uma época caracterizada pela expansão do
samba popular afro-brasileiro através da ascensão das rádios, do teatro e do
cinema, era um boêmio inveterado, que trocava o dia pela noite transitando entre a
Lapa, o Estácio e os morros do Rio onde largou o curso de Medicina para fazer
samba numa época em que artista era considerado sinônimo de vagabundo e
malandro.
Teve convivência estreita com sambistas negros, a exemplo de
Cartola e Ismael Silva, numa relação de parceria e amizade, sem a obtenção de
vantagem e a compra de músicas que, era prática comum de tantos intérpretes e
compositores brancos.
Sua passagem na terra por apenas 26 anos, foi rápida e visível como a
passagem do cometa Halley pelos céus do Rio de Janeiro no ano em que nasceu,
mas também foi resplandecente como a estrela d’alva que deixou a lua parva em
uma das quase 300 composições que marcariam a música popular brasileira, e que
cativou e atraiu para sempre a alma do público ao pedir, em melodia sincopada, ao
“seu garçom” para trazer depressa uma boa média e um pão bem quente com
manteiga à beça.
João Pessoa, julho de 2022.