Elza Gomes da Conceição ou Elza Soares foi uma das mulheres mais gigantes do Brasil e isso se patenteou até o dia de sua morte aos 91 anos, quando o país se despede de uma das maiores artistas de sua história. O legado fica, e é amplo, construído ao longo de uma vida cheia de obras valiosas.
O canto de Elza Soares vai ecoar por muito tempo na nossa música, e como uma das vozes mais poderosas do país. Além disto, essa potência de Elza, também está presente em sua história de vida e nos temas sobre os quais cantava, a exemplo do futebol, pois não são poucas as letras de músicas gravadas por ela que relatam esse esporte de maneira singela entre seus versos. É bem verdade que a música mais famosa quando se fala de futebol, é a que ela canta sobre Garrincha, numa homenagem póstuma lançada dois anos depois do falecimento do craque. Entretanto, nesse relacionamento emblemático que Elza Soares tinha com o futebol (seu coração era rubro negro), a voz do milênio cantou sobre o grito da torcida do Flamengo, sobre ídolos do futebol paulista, e até sobre a oração que o futebol oferece numa tarde no Maracanã. Sem esquecer que foi madrinha da seleção brasileira na Copa do Mundo de 1962 e viajou com a delegação para o Chile para participar de um evento paralelo à Copa do Mundo, organizado por um empresário uruguaio.
Mas a relação com Garrincha é seguramente a mais conhecida do futebol brasileiro. Foram 15 anos vividos de forma veemente entre o amor e os conflitos, onde Elza expressava esse amor pelo noticiário esportivo, demonstrando apoio ao companheiro, chegando a patrocinar inclusive, uma cirurgia no joelho do anjo das pernas tortas.
Mas também necessitou conviver com pesadas críticas, precisamente daqueles que achavam que a carreira de Mané desmoronou por sua causa. Contudo, o senhor tempo traria suas respostas, seja pelo êxito na carreira da intérprete através de décadas, seja pelo lamentável fim de Mané, ao se tornar dependente do álcool.
Dentre os bons momentos do casal, conta-se que em certo dia comum, Elza Soares preparava um feijão em sua casa no Rio, precisamente na Ilha do Governador, quando ouviu Garrincha assobiar um samba. A cantora indagou onde o craque tinha escutado aquela música, e ele respondeu que havia criado a melodia. “Não sou sambista, mas dou meus assobios”, teria dito, conforme anunciado pela revista O Cruzeiro. Faltava só a letra, e que foi composta naquele mesmo dia, na própria cozinha, e que ficou intitulada de “Receita de Balanço”. Foi gravada em 1964, com assinatura de Mané na voz de Elza.
Outro fato Elza contaria, em sua biografia escrita por Zeca Camargo:
“Um dia eu estava almoçando e ouvi, no restaurante do hotel, alguém chamar Garrincha de aleijado. Quando eu virei para ver, era o Alfredo Di Stéfano. Fiquei enfurecida, senti vontade de chegar ali perto e dar um tapa na cara dele. Ele dizia que, como o Garrincha estava machucado, iria quebrar ele em campo quando o Brasil jogasse com a Espanha”.
Conta ela ainda, que no fim das contas manteve o controle e viu o troco em campo, com a classificação do Brasil para cima da Espanha num jogo repleto de controvérsia. Di Stéfano, despreparado fisicamente, não participou do jogo.
Em outra passagem, Elza narra que Garrincha lhe prometeu ganhar a Copa. E de fato cumpriu. E que participou da comemoração calorosa com os 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia e, depois do apito final, correu para os vestiários em busca de um encontro com Mané. Na ânsia de furar a barreira policial, seria mordida por um cachorro da polícia, mas conseguiu adentrar no estádio.
“Quando eu finalmente entrei no vestiário, aí, sim, foi a maior confusão. Aquele monte de homem sem roupa, foi uma gritaria. Vários jogadores que tinham dado em cima de mim ao longo de toda a Copa ficavam se exibindo, mas eu só queria saber de dar um beijo no Mané! Ele tirou a toalha e me abraçou pelado – eu quase desmaiei de tanta alegria. Só depois de um beijo bem demorado que eu parei e pensei: ‘Onde é que eu fui me meter, meu Deus?’ Mas aí já era tarde demais…”
A história de Elza Soares e Garrincha, e a influência no futebol, é contada de forma brilhante por Ruy Castro na biografia “Estrela Solitária – Um brasileiro chamado Garrincha”.
Vale a pena ler.