Centro de João Pessoa, um dia comum de meio de semana…
Sol inclemente.
As ruas, outrora apinhadas, já refletem, a olho nu, a crise.
Comércio vazio, fachadas abandonadas, dezenas, talvez centenas de lojas fechadas.
Sob a marquise de um enorme e tradicional armarinho de importados, também com portas cerradas, dorme uma família inteira sobre papelões e enroladas em lençóis maltrapilhos, retalhados.
É esta cena que logo chama a atenção do meu filho caçula:
-Por que as pessoas moram na rua?
Aquela clássico dilema filosófico! Como explicar a uma criança de menos de 5 anos de idade que a humanidade é um projeto fracassado?? Desafio cotidiano de equilibrar a busca por transparência, formação sem tabus com a manutenção de esperança, sonho, poder de transformação…
Explico a situação de miséria de muitos, quase metade da população brasileira. Reforço que alguns poucos, por opção, também preferem viver na rua ao convívio familiar. Aí já derivo para o fato de que estes não se enquadram na sociedade, ou mesmo desprezam essa nossa mediocridade coletiva travestida de civilização. Então me lembro que estou falando com o Ben…
Breque 1
-Mas Pai, melhor seria se essas pessoas fossem pelo menos morar na praia, né?? Você não diz que sonha com casa de praia, papai??
-É, mas papai deseja uma casa de praia apenas para desfrutar, usar quando convier, com conforto e diversão. Já essas pessoas ficariam na areia, ao relento, tomando sol e chuva. Não há prazer nisso.
-Mas a praia, pelo menos, é bonita e tem o mar. Melhor que a rua feia e suja. E eles também poderiam se proteger com guarda chuva.
-Mas quem garante que eles tem, sequer, guarda chuva?
-Mas na praia tem! Já fica lá tudo montado, não lembra??
-Ah filho, aquilo ali é tudo pago. Material para alugar. Nada é de graça, nada é para todos neste mundo. Tudo tem um preço. Por isso uns tem muito e outros tão pouco. O comércio é cruel.
O mundo só pensa em dinheiro.
-Até Deus papai?? Até Deus só pensa em dinheiro??
Na minha cabeça imediatamente as imagens dos mercadores da fé, negociando salvação, vendendo ilusões.
Ensaio responder que o Deus de muitos e “instalado” hoje nas igrejas, infelizmente, é sim um Deus movido ao capital, ávido por dinheiro.
Mas arremato dizendo que deve haver um Deus de amor puro e para todos como a vovó e o vovô contam a ele.
Prefiro, mais que isso, é necessário manter em meu filho, meus filhos, nossos filhos, a esperança em um mundo melhor e mais justo. Eles podem ser agentes disso. Como diz o menino Gonzaga:
“Eu acredito (ou, ao menos, quero crer) é na rapaziada!”
Já exercendo a autoproteção, tão comum a crianças em temas que resvalam sofrimento, angústia, Ben buscava se blindar com o que o mesmo diz que o acalma:
– Pai coloca o rock mais pesado. Aquele mais pesado.
E frisa isso emulando um som gutural.
Já sei que se referia ao Sepultura.
“Roots, Bloddy Roots” sua nova canção predileta começa a irromper nos alto-falantes.
É a deixa para se abstrair de tudo, das mazelas desse mundo cão e capitalista selvagem, onde “o de cima sobe e o de baixo desce”!