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Mar avança e engole cemitério que fica na beira da praia; veja fotos e entenda

Um cemitério centenário na beira da praia no Ceará está sendo engolido pelo mar. Enquanto a água avança, a população vai recuando os túmulos. O local fica a cerca de 200 km de Fortaleza, capital do estado, e é testemunha quase silenciosa dos efeitos do aquecimento global.

Os túmulos ficam entre os distritos de Icaraizinho e Caetanos, dois pontos turísticos no litoral cearense. Ali, um corpo aportou na praia dentro de um saco em 1904. Segundo Herisvaldo Gonçalves de Souza, 55 anos, professor da escola da região e pesquisador da história local, uma senhora chamada Zefa Carmo enterrou o cadáver, que ficou conhecido como Homem do Saco.

Dias depois, ela sonhou com o espírito indignado. Herisvaldo ouviu essa história de uma pastora de ovelha, sobrinha-neta de Zefa.

— Ele apareceu para a dona Zefa, contou que seu nome era Serafim e pediu para, por favor, não chamá-lo mais de Homem do Saco. A partir daí, virou São Serafim — conta o professor, conhecido como Maninho, mestre em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC). — Não tem comprovação científica, mas o povo daqui acredita. Diz que ele obra milagres.

Cemitério em Icaraizinho tem mais de cem anos de história Foto: Bruno Alfano
Cemitério em Icaraizinho tem mais de cem anos de história Foto: Bruno Alfano

Vagner Teixeira, 37, é um dos crentes. Evangélico, ele conta a história de uma tia que já recebeu uma graça de ‘São Serafim’. Numa noite há muitos anos, ela viajava de Moitas até Jequi, dois povoados da região, com cerca de 20 km de distância, montada num jumento. Num susto, o bicho disparou.

— Ela decidiu, então, dormir no cemitério e rezou para ‘São Serafim’ pedindo para trazer o jumento de volta. Quando acordou, encontrou o bicho amarrado numa cruz — diz Vagner, que trabalha como caseiro.

Submersos

Jeovah Meireles, professor do departamento de Geografia da UFC, fez um estudo no fim dos anos 1990 sobre as planícies costeiras da região e usou o cemitério como um indicador de erosão.

— Os túmulos já estavam descobertos e levados pelo mar. Mas não sei quantos foram “reenterrados na água”. Pela nossa análise, eles foram atingidos por volta de 1995 — afirmou o pesquisador.

O caseiro Vagner tinha o hábito de visitar o túmulo da irmã, no Cemitério de São Serafim, no Dia de Finados. A criança tinha apenas nove meses quando morreu. A família acredita que ela foi vítima de quebranto, em 1992. No entanto, o túmulo foi tomado pelo mar.

— Quebranto é quando alguém passa e admira, sabe? Olho gordo — diz Vagner, que tinha dois anos quando perdeu a irmã. — Tinha uma lápide de madeira no túmulo dela. Agora, não encontro mais. O cemitério hoje é um terço do que já foi. O mar engoliu tudo.

Atração turística

O cemitério que se move se tornou outro ponto turístico do local. Ele é a primeira parada de um roteiro feito de buggy pela beira do mar, que vai até os lençóis cearenses — formações de lagoas e dunas similares aos famosos lençóis maranhenses. Não é incomum, segundo os bugueiros, que turistas peçam para passar sem parar por ali, por medo.

Atualmente, veículos como os buggy ou carros com tração 4 x 4 conseguem facilmente vencer a areia fofa e chegar até o cemitério. No entanto, antes da popularização desses meios de transporte, os corpos eram levados dentro de redes, carregados por quatro pessoas por até duas horas de caminhada. O cemitério fica a quase 20km de Icaraizinho.

Como não há controle das sepulturas, ninguém sabe exatamente quantas pessoas estão enterradas ali. A prefeitura de Amontada confirma que não tem registros. Maninho afirma que a estimativa fica ainda mais complicada pela sobreposição de corpos.

— Sepultam as pessoas, a areia cobre e vão colocando em cima— diz o pesquisador. — Para ser enterrado lá, basta dizer para a família. Leva-se o corpo, cava-se uma cova e enterra. Não existe controle. Aqui é um povoado bem pequenininho (menos de 4 mil habitantes). Muitas pessoas viveram 60, 70 anos, e morreram sem registro nenhum porque estão sepultadas lá. Ou seja, para a lei, nunca existiram.

Maninho cresceu vendo a mãe como devota de São Serafim. Ela ia em todo Finados rezar para a avó do professor, enterrada no local, e aproveitava para fazer uma prece no túmulo do santo. Em 1975, ela morreu e também descansou à beira-mar.

— Quando partir, vou para lá. Já pedi. Imagina passar a eternidade de frente para o mar, curtindo uma brisa daquela? — filosofa o professor.

A praia em Icaraizinho é mesmo abençoada. O petróleo que atingiu a costa no Nordeste, jamais chegou às proximidades do local. Não há comprovação, porém, de que este seria mais um milagre de São Serafim.

 

O Globo

Fábio Augusto
Fábio Augustohttps://pautapb.com.br
Formado pela Universidade Federal da Paraíba em Comunicação Social, atua desde 2007 no jornalismo político. Passou pelas TVs Arapuan, Correio e Miramar, Rede Paraíba de Comunicação (101 FM), pelas Rádios 101 FM, Miramar FM, Sucesso FM, Campina FM e Arapuan FM.

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