Nas ruas, becos e beira de açude só se fala dos vôos que agora ligam Cajazeiras ao mundo mais rápido.
Bilhetes áereos esgotados.
A high society sertaneja já garantiu viagens internacionais glamourosas incluindo Nova Yorque e Paris.
Um luxo só, mas a Cajazeiras que conheci e sobre a qual trago revelações é outra.
Há um erro cartográfico em relação a Cajazeiras.
Posso provar, empiricamente, que há uma falha na localização da cidade no mapa.
“Não tenho provas, mas tenho convicção”, de que é bem mais abaixo que se situa, geograficamente, o município sertanejo.
E nem estou falando sobre as aspirações cariocas dos cajazeirenses, com seu Leblon badalado, Cristo enlatado e afins.
Aliás, Bira, um dos grandes expoentes nativos, resumiu este sentimento com uma máxima local: “Cajazeiras é Rio de Janeiro e Sousa é São Paulo”.
Nem vou estender esta polêmica bairrista, de rivalidade entre vizinhos, que nem é do meu feitio…
Inclusive Cajazeiras pertenceu a Sousa outrora…
Mas a visão popular é baseada naquele conceito discrepante entre o “clima” de São Paulo e Rio de Janeiro.
E não falo de clima-temperatura, porque a quentura é a mesma lá e lô.
A atmosfera em questão aqui é de espírito, “calor humano”, digamos assim.
Reproduz aquela pegada rodrigueana: “o pior tipo de solidão é a companhia de um paulista”, ou algo sobre aquela animação peculiar que cunharam São Paulo como “túmulo do Samba”.
Outra teoria para legitimar diferenças entre Sousa e Cajazeiras ouvi lá mesmo de outro “carrazeirensse” durante visita as eliminatórias do Festival de Música da Paraíba, em homenagem a Zé do Norte.
O amigo defendia ferrenhamente a formação sócio-cultural-econômica das duas localidades para explicar as diferenças:
– a primeira mais aristocrata, hierarquizada e a segunda mais emaranhada entre classes e “castas”.
Há ainda o que atribui a vocação educacional e os 10 mil universitários que circulam pela cidade como propagadores da balbúrdia local.
A parte didática faz sentido em se tratando da “cidade que ensinou a Paraíba a ler”.
Mas, além dos ensinamentos do Padre Rolim, patrono de Cajá City, muita gente ensinou e aprendeu no lugar a “fazer arte”, se é que me entendem.
Berço de talentos natos do teatro de Íracles Pires e afins ao rádio de tantos ainda hoje.
Eu absorvo estas metáforas e constatações locais, mas rompo fronteiras e cravo uma tese única sem pestanejar.
Lá pelo século 19, Cajazeiras estava situada no sertão baiano, ali por volta da região de Canudos.
A última, mítica comunidade, foi solapada e inundada pelas águas, cumprindo a profecia de Antônio, aquele Conselheiro.
Já Cajazeiras escapou do “sertão virar mar”, e muito provavelmente, foi “vítima” de algum acidente geológico.
Quem sabe uma movimentação de placas tectônicas que a tenha levado mais acima, bem arriba, pras bandas de cá.
Só isso para explicar tamanha “baianidade” dentro de Cajazeiras, do cajazeirense, sem aparente vínculo afetivo direto com a Boa Terra.
Festeiro, alegre, receptivo, entusiasta da própria natureza e realidade, orgulhoso de sua origem.
Um bairrismo solar, despojado, natural, não aquele ensimesmado, robotizado, quase bélico do pernambucano (sem treta, amiguinhos).
E olha que Cajazeiras pertenceu a Pernambuco, assim como toda a Paraíba em tempos remotos, mas se desgarrou e escapou há tempo (sic).
Fato é que há em Cajazeiras um clima de desorganização programada típica da alma baiana, aquele hedonismo e prazer fortuito ilustrado em bares aos montes, mesas e cadeiras em calçadas, música nas alturas, algazarra, furdunço e tudo o mais.
Até dono de bar vira “táxi” na cidade quase sem transporte pago a disposição, mas que possui sistema de uber pirata!
Um mineiro adotado que, voluntariamente, largou balcão abarrotado e transportou cinco forasteiros em seu carro compacto rumo ao hotel.
Boteco do Mineiro é o lugar, pois além da acolhida, tem cerveja gelada, petiscos maravilhosos das Gerais e está encravado em um dos pontos mais charmosos da cidade!
Ok, ok, as distopias e apropriações são mais uma tentativa de estabelecer laço anterior meu com Cajazeiras…
Mas serve também como homenagem aos filhos deste solo que tanto marcaram minha trajetória em Parahyba, na vida pessoal e profissional.
Fácil citar umas dezenas deles aqui, mas eles sabem quem são, cajazeirenses e cajazeirados.
Tive alguns inesquecíveis professores cajazeirenses, é de lá também alguns dos meus mestres no rádio, já fui até abrigado por uma natural de Cajazeiras, quando estive, praticamente, sem-teto!
Salve Dona Céo e tantos e tantas das bandas de lá…