“Esse lugar transformou minha vida. Se não fosse isso aqui, até hoje estaria na rua”. As palavras são de Marizo Oliveira, de 63 anos. Ele é um dos 16 acolhidos, atualmente, pela Casa de Passagem do Idoso, serviço mantido pela Prefeitura de João Pessoa, através da Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania (SEDHUC). Por lá, uma equipe multidisciplinar se desdobra em tempo integral para garantir abrigo, alimentação, cuidados e todos os encaminhamentos assistenciais e de saúde necessários.
Marizo residia no bairro da Torre, onde mantinha uma oficina de ferro fundido. Desgostoso com os negócios decidiu vender o estabelecimento e acabou mergulhando no alcoolismo e indo morar na rua. Até que um dia, bêbado, acabou atropelado, sendo socorrido para o hospital. Ao receber alta, sem nenhum familiar para dar assistência, ele foi encaminhado à Casa de Passagem do Idoso, onde permanece há cerca de dois anos. “Ganhei muito apoio. Hoje, estou longe do álcool e me vejo como um vitorioso. Gosto demais daqui”, disse.
A Casa é um serviço de acolhimento provisório, voltado para pessoas com idade superior a 60 anos, como Marizo. O local recebe idosos que estão em situação de rua, de vulnerabilidade social, de abandono ou de risco social. “Eles são encaminhados pelos Centros de Referência Especializados da Assistência Social (Creas), Ministério Público e Ruartes, nunca diretamente pelas famílias ou responsáveis”, explicou Edilene Brandão, coordenadora da Proteção Social de Alta Complexidade da SEDHUC.
Situação de rua – Vários idosos que chegam à Casa de Passagem são encontrados sozinhos em residências, em alguns casos, se autonegligenciando. Muitos outros, porém, são resgatados das ruas. Heleno Francisco, de 79 anos, é mais um deles. Ele chegou a Casa há seis meses. Desde então, se apaixonou pelo serviço e também não poupa elogios. “Tenho parentes, mas que não me ligam. Aqui na Casa, não pago nada, recebo muita assistência e tenho seis refeições por dia. Todos gostam de mim. Também gosto de todos. Quando um companheiro sai, fico sentido. Minha família é essa aqui”, contou.
Saúde – Ao receber um idoso, a prioridade da Casa de Passagem é cuidar da saúde dele. Segundo Aneli Bezerra, coordenadora do serviço, na própria Casa são oferecidos atendimentos psicológicos e fisioterapêuticos. Qualquer demanda que necessite de atenção médica é encaminhada para o Sistema Único de Saúde (SUS). “Inclusive, temos um acolhido que há sete meses sofreu um AVC e, desde então, encontra-se internado em um hospital. Mesmo estando lá, ele é acompanhado por profissionais da nossa equipe em tempo integral”, destacou.
Sem contato com a família há mais de uma década, Francisco Benévolo, 68, sabe bem a importância da assistência prestada pela Casa. Nos últimos anos, ele decidiu pegar estrada sozinho, tendo feito morada em diversos Estados, sustentando-se com o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Ao chegar a João Pessoa no mês passado, para permanecer por uma temporada na cidade, sentiu-se mal e levou uma queda quando desembarcou na rodoviária. No hospital, acabou sofrendo mais uma queda. A partir daí, foi acolhido pela Casa de Passagem, onde vem recebendo assistência. “Estou precisando desse apoio, agora. A equipe tem me levado ao médico para que eu faça todos os exames. Ainda não temos o diagnóstico. Mas estou me sentindo bem e agradecido com tudo isso”, falou.
Documentação – Muito além de abrigar o idoso, a equipe da Casa de Passagem busca solução para situações burocráticas, como regularização de benefícios, solicitação de auxílios e negociação de empréstimos – vários deles, efetuados de forma indevida por terceiros. “Alguns idosos chegam aqui sem nenhuma documentação. Fazemos pesquisa nos cartórios, para tirar Certidão de Nascimento e, assim, dar sequência a emissão da 2ª via dos documentos pessoais”, explicou Aneli Bezerra, coordenadora da Casa.
Para o secretário de Direitos Humanos e Cidadania, João Corujinha, a missão do serviço é possibilitar o envelhecimento com qualidade e dignidade. “Trabalhamos para que os idosos tenham os direitos assegurados. Eles merecem atenção e todo nosso respeito nessa fase da vida. Por muito tempo, deram sua contribuição para a sociedade. Agora é nossa vez de cuidar deles”, frisou.
Institucionalização – Ao passo que garante toda assistência necessária aos acolhidos, a Casa resgata a história de cada um deles, na tentativa de chegar às suas famílias. Muitos perderam contato com parentes há anos. Outros, de fato, foram abandonados. “Esgotadas as tentativas de reinserção no âmbito familiar, encaminhamos para instituições de longa permanência do município, para que sejam institucionalizados”, explicou Edilene Brandão.
Por meio da SEDHUC, a Prefeitura mantém convênios, disponibilizando profissionais para reforçar as equipes de cinco instituições de longa permanência na cidade: Casa da Divina Misericórdia, Nosso Lar, Vila Vicentina, Lar da Providência e Associação Promocional do Ancião Dr. João Meira de Menezes (Aspan).
Planos – Com a saúde, a autoestima e a dignidade restauradas na Casa de Passagem, muitos idosos voltam a estampar sorrisos largos e, inclusive, fazer planos para o futuro. Irene Moraes, de 88 anos, é um exemplo. Ela morava sozinha no bairro Esplanada. Após sofrer duas quedas, foi resgatada por uma equipe do Creas para o hospital e, de lá, encaminhada para a Casa. Chegou com hematomas, o que motivou diversas sessões de drenagem com a fisioterapeuta do serviço.
Hoje, caminhando para a fase final da recuperação, ela preenche o dia conversando com as companheiras com quem divide o quarto e ainda respondendo aos desafios de um inseparável livrinho de caça-palavras. “Quando eu voltar para a minha residência, quero todas as minhas companheiras daqui da Casa bem para passarem um dia comigo. Vou fazer um pirão de mocotó. A gente vai comer e passar o dia aprontando”, disse, entre gargalhadas.