Toda criança tem um subterfúgio, um escape, portal iluminado para se abrigar de qualquer perigo. Os medos e pavores dessa fase são diversos. Alguns de monstros imaginários, outros de seres de carne e osso (mas vamos pular essa excrescência!)… há também os que temem aqueles personagens de canções de ninar (essa é para você mesmo, papai, mamãe e afins. Quem te fez acreditar que “A Cuca te pega” pode ser algo acalentador para alguém??).
Há crianças que se protegem em casa de árvore, embaixo da cama, quarto dos pais etc e tal… o meu refúgio principal na infância era a casa de Vozinha! Menino de Buerarema bastava andar uns 100 metros e virar a esquerda, após a ladeirinha, que já estava na casa de Vó.
Era lá em Dona Noeme que me acolhia atrás de um suculento pedaço de bife ao molhinho caseiro, quando mainha inventava de botar peixe no cardápio de casa (sim, admito, o infante aqui cometia a infâmia de não comer peixe à época).
Em Vozinha também conseguia explorar melhor, ao máximo, a intensa umidade de Macuco. Aquela sensação de parede gelada (lá é, ao menos era, a mais congelante da via láctea), que ainda sinto nas costelas hoje só de lembrar. Desde sempre gostei de dormir com as costas grudadas na parede, um hábito nada saudável para alguém cheio de alergia respiratória, mas…
Era também em vozinha, que havia o quintal mais mágico do universo. Cágados, coelhos, galinhas, passarinhos, pé de jabuticaba (ainda sinto o gosto doce) e até um veado! Sim, minha vó criava um, sugestivamente batizado de Bambi e que só víamos em miragem cruzando o mato.
Para lá corria também às vezes, quando estava em regime de castigo futebolístico (“Nada de futebol durante duas semanas”), mas não queria perder aquele jogo (até BanguxOlaria me fascinava). Sorrateiramente inventava saudade de vó e corria para o abraço na TV Toshiba 10 canais, que fazia um clic mágico ao girar e foi uma guerreira de quase 4 décadas de vida.
Fora dessas memórias singelas, surge a mente uma imagem sombria que emoldurava essa mesma sala de TV de Vozinha. No canto lateral ao pequeno sofá uma senhora, travestida das bruxas que carregamos no imaginário comum. Horrenda, enrugada, cabelos brancos desgrenhados, empunhando um cálice simulando sangue a jorrar, que também escorria da boca da maldita.
Apenas mais velho, já na adolescência, surpreendentemente identifiquei aquela figura assustadora como Ozzy Osbourne. Sim, durante todo aquele tempo, estive sendo assombrado pelo líder do Black Sabbath, os pais do metal, ícones do rock´n roll, estilo que tanto me forjou posteriormente. O quadro pertencia a um amigo rockeiro do meu tio Vicente (Titio), que casou, se emancipou, saiu de casa e deixou a herança. Por sua vez a matriarca saudosa nunca retirou o quadro do local. Vejam vocês, minha vó me apresentou ao Ozzy, ao heavy metal e todos os seus elementos soturnos.
O curioso é que, se nessa época da minha infância eu não conhecia bulhufas de Ozzy, metal e afins, hoje, é meu filho mais velho quem me apresenta os novos lançamentos do Highlander Ozzy, enquanto o mais novo, com apenas 4 anos, tem no Black Sabath sua grande referência musical…
Long Live rock´n roll & a linda Vozinha!