Sempre me incomodou o estigma em torno do baiano sobre uma suposta ausência de sentimento de nordestinidade na “Boa Terra”! Isso ficou evidenciado para mim apenas quando vim morar na Paraíba… Até então, na minha “bolha baiana”, isso nunca havia sido uma questão…
E não é apenas como “bom baiano” meu desconforto, mas por senso de justiça histórico!!
Ah, mas não vou me valer de debates densos sobre colonização, questões geopolíticas, fenômenos históricos e outras aleivosias.
Também não vou “apelar” para lembrar aos precipitados que a Bahia é o estado com maior território encravado no sertão (e nada simboliza/unifica mais o Nordeste que as raízes sertanejas)!
Quero me pautar apenas por referências musicais, hibridismo e toda esta mistura e riqueza que mexe o caldeirão sonoro nordestino…
E para tanto vou me ater a apenas três dos maiores expoentes de todos os tempos da música na Bahia, Gilberto Gil, Caetano Veloso e Raul Seixas. No mítico ano de 1972 de forma simultânea, mas aleatória, os 3 renderam uma das mais importantes homenagens que contribuiu sobremaneira para o resgate do ritmo mais nordestino de todos.
Após a magia e malemolência emanada pelo forró na década de 50 em todo o Brasil, nos anos 70 o estilo e seus grandes nomes estavam imersos em um abismal ostracismo.
Simbolicamente e ao mesmo tempo este trio de baianos lançou trabalhos fundamentais para revisitar a gênese da música nordestina.
Raul subverteu tudo ao lançar o compacto “Let me sing, let me sing”, uma autêntica e inusitada mistura de baião e rock´n roll (BAIOQUE, nome de mau gosto que o próprio batizou, mas a idéia e o conceito eram geniais).
Caetano lança o moderno Transa, disco gravado durante o exílio, cosmopolita até a alma, com referências a musicalidade de todos os cantos, mas o pé bem fincado nas origens. É o detalhe, por exemplo, da epifânica citação ao rei Luiz Gonzaga com “A Hora do Adeus” dentro da world music “You Don´t Know Me” !
Já Gil foi além… no mesmo ano da graça de 72, recém chegado do exílio lança o clássico Expresso 222, com nada menos que duas músicas do Rei do Ritmo, Jackson do Pandeiro (de quem eu virei conterrâneo por opção, portanto posso ostentar possuir laços territoriais autênticos com ambas “entidades”).
Bem, após derivações, retornemos… Em “solo brasileiro”, Gil logo fez questão de seguir o outro baiano sabido, Gordurinha (afinal “baiano burro eu garanto que nasce morto”) e foi se valer da riqueza rítmica do menino Jack para gravar “Chiclete com Banana”, um beebop do agreste, um “sambaião” moderno e universal. Do mestre de Alagoa Grande ele também fez uma releitura para “O canto da Ema”. De lambuja, o baiano mergulhou de vez na fonte da cultura popular nordestina ao levar a Banda de Pífano de Caruaru para gravar com ele a música de abertura do disco de retorno, “Pipoca Moderna”.