Em tempos de manifestações e mobilizações mundiais pela igualdade racial, nada mais emblemático que o esporte mais popular do Brasil para nos revelar nossos dramas na questão…
Se o racismo estrutural é inegável no país, o futebol não pode escapar a isso.
Praticamente a totalidade dos clubes brasileiros tinha nos seus estatutos originais a expressa proibição a atletas negros. Isso mesmo com o fato de todos, absolutamente todos os times nacionais de futebol, terem sido fundados após a abolição da escravatura…
E se o Brasil foi um dos últimos países a abolir a escravidão, o Grêmio Porto Alegrense, talvez, tenha sido o derradeiro clube nacional a permitir negro defendendo sua agremiação…
Apenas em 1952 o tricolor gaúcho aceitou que jogadores negros vestissem a tradicional camisa de 3 cores. O “preto” era restrito a listras no uniforme, mas não poderia envergá-lo…
Esse mesmo Grêmio de versos imortalizados por Lupicínio Rodrigues, no exaltante hino: “Até a pé nós iremos, para o que der e vier, mas o certo é que nós estaremos com o Grêmio, onde o Grêmio estiver…”
Lupicínio, mais famoso sambista gaúcho, negro e gremista fanático chegou a ter que escrever artigo para um jornal local justificando seu amor pelo tricolor elitista, tamanha era a associação entre o Grêmio e o separatismo de raças.
Mas a história, essa senhora implacável, pregaria outra peça na “supremacia gremista”! Everaldo, lateral esquerdo da Copa de 70 se tornaria o primeiro gaúcho campeão do mundo atuando por um clube do Rio Grande do Sul. Ele era negro. O clube? O Grêmio. Ora, menos de 20 anos após permitir entrada de negros nos seus quadros, o Grêmio tinha um fazendo história inédita no Globo.
Ainda assim, passadas mais de 4 décadas do feito de Everaldo, a torcida gremista protagonizou um dos mais grotescos episódios de racismo já visto em campos brasileiros, insultando o goleiro Aranha em partida contra o Santos pela Copa do Brasil.
Mas o que há de comum entre esta triste página da tradição gremista e a história brasileira??
Ambas lançam mão da exaltação da miscigenação quando convêm se valer da riqueza da “mestiçagem” e inclusão cultural, através de elementos presentes nos ritmos, nos esportes, culinárias etc…
Assim, literalmente foi, por exemplo, com o Grêmio, então elitista e branco, ao aceitar a composição do negro Lupicínio, ou ainda pior, na carta de explicação da tardia “abertura” estatutária para admitir negros. Explicita e oficialmente o clube alegava que precisava ser mais competitivo frente ao crescimento de desempenho das outras agremiações. Ou seja, nunca foi por consciência, igualdade racial, sequer se disfarçou. E mais, no dia posterior houve nota de repúdio e resistência articulada de setores de sócios, beneméritos e torcedores do tricolor gaúcho à medida “inclusiva”.
Este foi e ainda é o futebol brasileiro, afinal quantos técnicos negros temos no nosso esporte?? Tal qual o racismo estrutural dissimulado em outras áreas, setores, localidades do Brasil até hoje! As tradições afro e suas facetas são admiradas, incorporadas, apropriadas para “enriquecer os costumes”, mas o negro continua relegado ao preconceito diário e desigualdade abismal de condições em qualquer seara…